Pablo Villarrubia Mauso
Colônia
portuguesa durante mais de 400 anos, até 1975, o setor oriental da ilha de
Timor tem um passado pouco conhecido Desde 1999 chama-se república Democrática
de Timor-Leste. A somente 500 kms da
enorme Austrália, a ilha tem cerca de 470 kms de comprimento por uma largura
média de 110 kms. A parte independente tem quase 15 mil kms quadrados.
Para melhor situa-la, a ilha de Timor se encontra entre dois Oceanos, o
Indico e o Pacífico. Somente entre 1975 e 1985 morreram entre 200 mil e 350 mil
nativos por ação direta ou indireta do exército indonésio que ocupou o
território três dias depois da independência de Portugal. As cifras oscilam
muito, pois não há dados oficiais a respeito.
Antes da chegada dos portugueses e holandeses (no século XVI) Timor fazia
parte de uma extensa rede comercial marítima cujo centro se situava na ilha de
Java e logo se transladou às ilha Célebes. Essa rede alcançava a Índia e a
China. Documentos da dinastia Ming, de 1436, mencionavam Timor como possuidora
do melhor sândalo do mundo.
A
primeira referencia de um ocidental sobre a ilha a devemos ao navegante
lusitano Rui de Brito, enviado pelo rei Dom Manuel para explorar os confins da Ásia
em 1514. Dizia textualmente que "Timor é uma ilha situada nas proximidades
de Java, repleta de sândalo, repleta de mel, repleta de cera, sem juncos para
navegar, é uma grande ilha...". A abundância de produtos naturais chamou a
atenção dos europeus, especialmente de portugueses e holandeses que por tais
motivos ocuparam a ilha.
A
diversidade botânica também fascinou os primeiros exploradores, especialmente
as árvores gigantes, que alcançavam até 70 metros de altura e onde se
enroscavam cipós inquebrantáveis. A rica natureza timorense dá lugar a répteis,
como lagartos, crocodilos e serpentes mortais de duas cabeças e a porcos
selvagens além de uma grande diversidade de aves.
Não
se sabe exatamente quando surgiram os primeiros timorenses. De acordo com o
célebre antropólogo português Mendes Correa, que visitou a ilha nos anos 40, é
possível que estivessem lá desde tempos pré-históricos. Inclusive sugeria a
curiosa hipótese de uma mutação de seus povos, ou seja, que poderia existir uma
raça autóctone, diferente de todas as demais. Porém, o certo é que lá existem
povos de tipo malaio, australóide, melanésio e inclusive negróide, estes
últimos semelhantes aos da vizinha ilha de Papúa-Nova Guiné.
Em uma arriscada hipótese elaborada nos anos 30, Correa aventou a
possibilidade de que povos malaios e australianos pudessem ter chegado à
América do Sul via Antártida por uma espécie de "ponte" de gelo ou
navegando entre ilhas. A hipótese ganhou força nos últimos anos, especialmente
com o descobrimento no Brasil de ossos humanos com características de aqueles
povos. Talvez os primeiros brasileiros descendessem dos atuais timorenses...um
ponto mais que nos une àquele povo tão distante.
Ritos
e tradições
Durante muito tempo, inclusive durante o período colonial, os timorenses
viveram em uma espécie de regime feudal. Os reis eram quase divinizados e a
sociedade era escravagista. Os reinos eram chamado de "sucos" e,
essencialmente, eram independentes uns dos outros.
Ao contrário de outras ilhas do arquipélago malaio, os timorenses não
sofreram influencia do islamismo e do hinduísmo. Ali sempre se praticou o
animismo, especialmente o culto aos ancestrais. Embora os portugueses tenham
conseguido cristianizar mais da metade da população, muitos cultos
"pagãos" continuaram praticando-se sob a influência dos mátan-dok
(sacerdotes).
O deus principal dos povos tetum (que
habitam o centro-sul da ilha) é Marómak, que significa "aquele que irradia
luz". Conta uma lenda que Marómak desceu do céu para copular com a deusa
Rai Lolon e voltou ao céu antes que nascera seu filho dentro de uma cratera.
Este filho dos deuses se chamava Rubi Rika, e foi o primeiro ser humano sobre a
terra e que logo deu origem aos povos que habitavam o povoado de Vikeke.
Os timorenses acreditam que a harmonia entre o corpo e a mente pode
quebrar-se se não se cumprem os rituais pertinentes à memória dos mortos. Para
isso devem realizar oferendas, geralmente alimentos e animais sacrificados em
homenagem e respeito aos antepassados.
Em geral, todas as coisas para os nativos são "masculinas" ou
"femininas". As coisas "masculinas" são fortes, grandiosas,
cruéis e corajosas e as "femininas" são frágeis, simples, mansas e
boas. O mar de Sonda, por exemplo é um "mar mulher", porque está
sempre calmo e sereno. O mar de Timor é o "mar homem", porque está
continuamente embravecido.
Ídolos
e totens
No
setor central da ilha os exploradores portugueses encontraram colunas de
madeira e de pedra de até três metros de altura. Nelas estão talhadas
personagens com feições humanas. São os "ai tos", deuses que simbolizam
algumas das forças e elementos da natureza ou inclusive ancestrais e que
recebem o cuidado dos fiéis que os vestem como pessoas e cuidam de dar-lhes
ritualmente alimentos e bebidas.
Antigamente, os temíveis caçadores de cabeças timorenses, quando bem
sucedidos nas suas incursões sangrentas, faziam reverências e ofertavam
diversos objetos a estes ídolos, às vezes joias de prata e de ouro em forma de
chifres de búfalo e de lua crescente ou discos feitos com os mesmos metais. Em
algumas ocasiões se sacrificavam animais sobre pequenos altares situados diante
dos ídolos.
Os mitos e lendas timorenses falam de estranhos encontros com enguias,
serpentes e crocodilos fantásticos criados pelos deuses. Assim como na África e
entre os indígenas da América do Norte, cada clã ou grupo tribal tinha como
símbolo um animal divinizado, ou seja, o seu totem. Ainda hoje as mulheres
indígenas tecem com muita paciência tecidos multi-coloridos onde aparecem tais
animais totêmicos.
A influência da Indonésia - que proibiu a livre expressão do povo
timorense - tentou apagar as muitas lendas da ilha. Na pequena ilha de Ataúro,
a 17 kms da costa, em frente a Dili (capital da ilha), existe a crença popular
nos Lé-Káli e Mimítu, criaturas com cabeça de serpente suportada por um
esquálido corpo humano.
Seus dentes compridos, garras e mãos enormes assustavam adultos e
crianças, conforme nos conta o antropólogo português Jorge Barros Duarte em seu
livro "Ritos e mitos Ataúros" (Lisboa, 1984). Os habitantes da
montanhosa ilhota acreditam que os Lé-Káli e Mimítu podem aparecer sob a forma
de um morcego para roubar-lhes a alma...
Além das criaturas de lenda, outro aspecto destacado da cultura de
Ataúro é o curandeirismo. Lá vivem os "mata-blolo" que usam técnicas
de cura semelhantes às dos nossos pajés. Nos seus rituais mágicos, procuram
curar seus pacientes mascando algumas ervas misturadas com um pouco de cal para
provocar efeitos estimulantes.
O "mata-blolo" cospe na mão as ervas e massageia a parte do
corpo doente. Depois de vários passes mágicos, este pajé descobre a causa
material da doença, geralmente uma pedra que aparentemente extrai de dentro do
corpo sem praticar nenhuma cirurgia.
E assim como em outras religiões, os
mata-blolos também "recebem" espíritos. Empregam uma sustância
alucinógena feita a partir de raízes de plantas conhecidas por ai-memeta e
ai-pepútil. Misturadas com uma espécie de vinho feito com outro vegetal surgia
uma poção denominada ai-sa'e-lau. Durantes os rituais invocatórios, um aprendiz
toca um tambor enquanto o mata-blolo bebe a poção e inicia a sua comunicação
com os espíritos que pode durar até meia hora.
Timorenses
e os astros
Uma aproximação dos timorenses a outras culturas está relacionada a uma
espécie de "astrolatria" (adoração dos astros) e princípios
astrológicos. Os Ataúros acreditam em uma influência sobrenatural exercida
pelos astros sobre as nossas vidas, especialmente do Sol (Lea), de Hula (Luna)
e do planeta Vênus (Ku-Méak). É em nome do Sol e da Lua que os Ataúros fazem
muitos juramentos.
Assim como os gregos e outros povos do planeta, os Ataúros
observavam com atenção os astros e
criavam as suas próprias constelações, surgindo assim histórias lendárias a
partir das imagens que projetavam no céu. Uma diz respeito aos Três Irmãos,
equivalentes às nossas Três Marias, estrelas brilhantes da constelação de
Orion.
Reza a lenda que esses Três Irmãos decidiram lançar-se ao mar a bordo de
um "beiro" (espécie de piroga dotada de dois flutuadores). Um
coqueiro (equivalente à constelação do Cruzeiro do Sul) que emergia do meio do oceano
serviu de apoio para os navegantes que eram arrastados pelas correntes
marítimas. Ali amarraram a embarcação.
Esfomeados, tentaram pegar alguns cocos, mas foram impedidos por um
enxame de abelhas (a nebulosa Coalsack, adjacente ao Cruzeiro do Sul). Depois
de ter recolhido milagrosamente alguns cocos para abastecer-se de água, os
irmãos se afastaram do coqueiro, mas, novamente as correntes marítimas os
distanciavam da costa e tentaram regressar à segura referência que
proporcionava a árvore. Diz a lenda que ainda hoje os três irmãos tentam remar
em direção ao coqueiro mas sem sucesso.
Nas noites de céu limpo, contam os Ataúros, pode-se ver a espuma (a Via
Láctea) levantada pelos remos dos irmãos na sua eterna tentativa de vencer o
mar.
Adaptação parcial do artigo publicado pela
revista brasileira “Kalunga” número 106, novembro de 1999
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